Lembranças de sonhos à beira da praia




À beira da praia


Sonhos mortos putrefam em caixões abertos


Exalando um crescente mal cheiro


Sem sequer uma placa de aviso


Que grite: afaste-se


Ou que diga apenas: "deixe-nos esquecidos


Queremos descansar em paz"


Mas na lama suja da lagoa 


do mangue poluído ao lado


Seres respiram, borbulham


 Escondidos emitem sons


Me fazendo lembrar que ainda há vida


 E que os sonhos devem ser ressuscitados


 Em quaisquer destas páscoas

Ou numa cansada quarta feira de cinzas

Nem que seja para nadarem


E morrerem todos novamente 


Para novamente apodrecerem, 


À beira da praia


Bruno Sampaio



A Morte da Poesia




 A poesia está morrendo. Morrendo a pior das mortes: a morte silenciosa. Amedronta-me ver que diariamente as fileiras da má poesia têm mais adeptos, e que a da boa tem tão poucos correligionários. Prefiro não entrar no mérito de dizer o que é boa ou má poesia, não precisa-se de tanto; basta ler bons poetas para percebê-los como tais e os maus se revelam através de seus poemas pífios. Não há dramatizações. A poesia está morrendo a olhos vistos. Morre diante de todos e ninguém faz nada, deixa ficar do jeito que está. Como evitar essa tragédia (pois é uma grande tragédia, com todos os requintes de crueldade)? Quem a está assassinando?
O assassinato intensificou-se na transição do século XX para o XXI. O sangue jorra vertiginosamente. Existem tantos os que se dizem poetas hoje, que escrevem algo qualquer na forma de versos e brada aos quatro ventos que escreveu poesia, que sentem uma forte pulsão emotiva que os levam a cuspir no papel tinta borrada para depois dizer que escreveram sob a inspiração de alguma musa ou que seus poemas carregam um forte “carga sentimental”. A poesia morre. Morre nas mãos de adolescentes que criam blogs e despejam seus “dramas existenciais” em versos confessionalistas e tão mal escritos que um bom leitor não consegue esconder a indignação diante do ultraje literário. Os “poetas” de hoje estão mortos e escrevem poesia morta; poesia sem esforço, que não passa por um crivo de auto-exigência, de autocrítica, que se contenta com o fácil, com a simplicidade sem complexidade, com a superficialidade ou, pior ainda, com um regionalismo tão pueril que quem não for da região retratada não entenderá nada do que foi escrito. Não pensem que isso é coisa somente de adolescentes blogueiros. Muitos “grandes poetas contemporâneos”, que têm se deixado levar pelas “tendências do mercado editorial”, têm publicado livros sofríveis, de mediano para ruim, muito ruim; têm se reunido em simpósio e feiras e celebrado a morte da poesia como se fosse um acontecimento mágico e sublime.
O que salvará a poesia de sua morte iminente não será feiras e encontros literários, onde os, para usar uma frase do escritor espanhol Enrique Villa-Matas, “cretinos, escritores funcionários de merda, mortos” se reúnem e se digladiam na luta pelos holofotes, mas poetas compromissados com o literário sem ambições exclusivamente econômicas, ou imbuídos de um sentimentalismo tão bobo e juvenil quanto constrangedor. Não é com simpósio que se salvará a poesia, e sim escrevendo e produzindo bons livros, ou mesmo blogs (pois existem bons poetas perdidos nessa imensidão da internet). Poesia se salva com poesia.
Nem tudo está perdido. No meio dessa morte caótica de tantos endereços virtuais e nomes, a poesia ainda consegue respirar, uma respiração que exige esforço. Poetas que escrevem sobre a guia da meticulosidade, na dedicação de tirar de cada palavra o máximo de significados que ela possa ter, de pautar seu processo de criação num exercício de reflexão racional, onde seus versos sejam frutos de um árduo esforço de escrita, não somente um derramamento de palavras no papel, conseguem fazê-la respirar e não sentir-se tão esquálida e fraca.
A poesia está num delicado momento de sua história, se banalizando e sendo crucificada por carrascos juvenis, despreparados e preguiçosos. Mas não morrerá, mesmo com tantos poetas mortos produzindo poesia morta; não morrerá porque sempre haverá aqueles poetas doentes de poesia, que escrevem com senso de responsabilidade literária, que não queiram inflar o grupo da má poesia, da poesia mesquinha e barata, que se estende em varais e não tocam a fundo ninguém. A poesia não morrerá, mesmo à míngua e com poucos 
FONTE :

 Ricardo Silva

 
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